EXTENSÃO E RITMO NARRATIVO: UM PASSEIO PELOS CONTOS

Léo Ottesen*

 

Assim como a própria vida, os textos literários têm altos e baixos. As emoções que se desenvolvem podem variar entre positivas, negativas, neutras, enfim. E é essa “montanha-russa de sentimentos” que, muitas vezes, consegue prender a atenção do leitor. Seja num momento de tensão arrepiante ou de uma piada histérica, o envolvimento do leitor com a história acompanha esse ritmo, o qual também é influenciado pelo tamanho do texto, bem como das partes que o compõem. Portanto, hoje, eu resolvi tratar especificamente do gênero narrativo e, mais especificamente ainda, dos contos, já que os seus tipos (subgêneros) se diferem bastante nos quesitos ritmo e extensão, e também nas suas estruturas.

Quando se fala de estrutura textual, logo vem à mente o esquema escolar de início, meio e fim; ou ainda: introdução, desenvolvimento e conclusão. E está correto. Contudo, na narrativa – que é literatura, arte, espírito –, é preciso que se enxergue além das ideias estáticas e dos conceitos quase matemáticos, das regras burocráticas que praticamente extinguem o prazer da leitura. Pede-se que se “sinta” o ritmo do texto, durante a leitura ou escrita, sem essa preocupação com a enfadonha divisão das partes. A título de exemplo: podemos ter uma narrativa cujo clímax (o ponto alto da história) acontece durante o desenvolvimento, e, assim, a conclusão pode apresentar a vida do protagonista muitos anos depois do que fora contado. Também podemos ter o clímax ao final da conclusão – o que é comum nos contos –, e que provoca no leitor uma sensação de êxtase, e o que torna o desenvolvimento, isto é, a maior parte da história, algo quase desimportante. Ou seja, nem sempre essas definições vão ser totalmente válidas. Mais importa, pois, ser capaz de dançar no mesmo ritmo que o texto, independentemente do local.

Mas, afinal, o que são os contos? É possível encontrar diversas definições por aí: o que aprendemos na escola; na universidade; nos livros; durante a escrita dos próprios… Por isso, como estamos focando na extensão – ou tamanho – dos textos, não vou me estender na tentativa de definir o gênero, apenas espero do leitor a boa-vontade de confiar no seguinte: o conto é uma história que possui narrador, personagens, lugar – no tempo e no espaço – e enredo (uma narrativa) de pouca duração (curta). Então, de maneira simplista, o conto é uma narrativa curta. Ou bem curta. Ou curtíssima. Veremos isso mais à frente.

Dizer que um texto é curto certamente não parece muito científico – e de fato não o é –, mas, a fim de evitar divagações desnecessárias, entendamos a extensão curta como algo possível de ser lido de uma só vez. Pois é, isso não ajuda muito, já que há pessoas que leem rapidamente e terminam um livro de duzentas páginas durante uma tarde. Tomemos esses leitores como exceção. A regra, então, seria a de que, entre sentar pra ler e precisar levantar-se para fazer alguma outra coisa, conseguimos ler entre duas ou três e dez páginas. Pronto. Eis a extensão clássica de um conto. Por que “clássica”? Porque, mais uma vez, a literatura, enquanto arte e espírito, movimenta-se e se transforma junto com a Humanidade, portanto, absolutamente toda e qualquer definição acerca dela pode (e deve!) ser modificada no decorrer do tempo. E é o que aconteceu e acontece com esse tipo de texto.

Há contos de vinte páginas. Outros, de três, não apresentam um lugar no tempo. Alguns têm várias personagens, alguns têm uma. Há contos sem lugar no tempo nem no espaço nem personagens e com apenas uma linha de extensão! Então, se as estruturas não seguem uma regra fixa e as extensões variam, e se por vezes nem mesmo a definição de narrativa é totalmente respeitada, como todos esses textos podem ser considerados a mesma coisa? Oras, é por causa da sensação que provocam, pela dança que nos permitem, pelo ritmo.

Via de regra, o conto tem seu ápice no final, deixando o leitor suspenso pela história. É diferente, portanto e por exemplo, de um romance, cujo ápice (ou ápices) acontece(m) durante a narrativa e no final ocorre o retorno à normalidade – com algumas mudanças. Assim, o conto “O menino e o lobo” termina com a fera devorando todo o rebanho do protagonista, ou seja, a parte mais significativa da história está no final. Contudo, sabendo que as regras são feitas para serem quebradas, é preciso dizer que nem mesmo o sentimento catártico ao final dos contos aparece em todos. Isto é: esse gênero é uma terra sem leis.

Agora, se, por um lado, é uma tarefa difícil identificar o gênero conto, por outro, é justamente isso que permite a criação de diversas formas de escrevê-los. É aqui onde entram recursos linguísticos, ferramentas de escrita, fenômenos psicológicos e por aí vai. O contista, a partir da liberdade que existe na criação, vai utilizar e apresentar esses fatores da maneira que lhe aprouver, a fim de provocar algum tipo de impacto no leitor. Por exemplo, o autor pode deixar sua personagem implícita (ou elíptica ou subentendida ou subliminar, enfim) e, assim, “violar” a estrutura narrativa – que exige personagem, tempo, espaço, etc. Ou pode começar a história pelo fim, também rompendo com a forma clássica de enredo. Para ilustrar, dois contos que utilizam essas ferramentas, respectivamente, de Hemingway e Alan Moore:

“Vende-se: sapatos de bebê, sem uso.”

“Tempo. Sem querer, inventei uma máquina do.”

Em Hemingway, apesar da aparente ausência dos traços que definem uma narrativa (personagens, tempo etc.), a extensão do texto e o ritmo em que ele é lido, que são intimamente interligados, levam o leitor à catarse: o ápice da história, quando tudo é explicado e findo; aqui, quando descobrimos a tragédia ocorrida: “sem uso”. As personagens ficam “escondidas” na imaginação do leitor: o casal que perdeu o bebê e agora se desfaz do sapatinho sem uso. Já em Moore, com mais humor, notamos a existência de um narrador-personagem a partir da flexão verbal em primeira pessoa do singular: “[eu] inventei.” Contudo, as demais características dos contos é ausente ou subentendida. O local no espaço, isto é, o ambiente da narrativa, é o próprio texto; o local no tempo é a duração da leitura, com um viés paradoxal: a história começa pelo final e se repete – como se o próprio conto fosse, de fato, uma viagem no tempo. Então, podemos classificá-los como contos, por serem narrativas curtas, muito embora algumas características clássicas do gênero estejam ausentes na materialidade do texto, mas presentes na virtualidade e na imaginação do leitor.

Esses contos de uma linha, por sua extensão, são chamados de nanocontos. Apesar de serem muito pequenos, eles conseguem provocar emoção e seus ápices acontecem ao final da leitura, e até depois da leitura, como em Hemingway, onde o leitor se pega elaborando o que havia acontecido com as personagens antes do momento da escrita. Assim, seguindo a caracterização a partir da extensão, do menor ao maior, temos: nanocontos, microcontos, minicontos e – simplesmente – contos. A distinção entre os médios é complicada, porém, didaticamente é possível definir os microcontos como aqueles compostos por um ou dois parágrafos, enquanto os minicontos podem chegar a duas páginas. Já os contos em si chegam a dezenas de páginas, não devendo ser confundidos com o gênero novela. Mas isso é outro assunto.

Por motivos de espaço, não vou dissertar, aqui, acerca dos minicontos nem dos contos. Todavia, acredito ser válido falar sobre os micros e, para isso, recorro ao mestre Eduardo Galeano:

“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”

Até aqui, o leitor já deve ser capaz de identificar esse texto como uma narrativa curta, um conto, uma vez que ele apresenta os quesitos básicos do gênero, principalmente o impacto ao final. Outro traço importante dos contos, pois, é a unidade: poucas personagens e só um ponto principal. Isto é, o texto já começa visando ao desfecho, sem que haja subtramas ou longas descrições do ambiente, do aspecto físico das personagens, etc. Dessa forma, Galeano constrói sua narrativa pautada unicamente na constatação de que, se são proibidas, quer dizer que houve quem tenha praticado essas ações antes. O tempo da história fica subentendido: o personagem-narrador estava em Madri, depois no Rio. Esse foi o percurso feito pelo protagonista durante a narrativa. Assim, o conto mal inicia e já tem seu desfecho: vai direto ao ponto.

Um conto de maior extensão, como “O gato preto”, de Edgar Allan Poe (grande teórico e autor do gênero), pode até vir a apresentar alguns momentos de tensão e importância antes do ápice, mas, ainda assim, esses movimentos e sensações servem para embalar e manter o ritmo do texto, não necessariamente para modificar a história de maneira relevante, porque, mais uma vez, o enfoque do conto é o final. Portanto, ao se pensar em trabalhar com a narrativa curta, é importante que se tenha em mente o que se pretende alcançar com o texto, ou seja, qual será seu ápice, no final, o qual deixará o leitor extasiado, seja pra bem ou pra mal. Além disso, é preciso enxugar a narrativa até que ela se torne condensada, a fim de que sua leitura possa ser feita em um único momento; o conto deve ser direto, com um único ponto essencial, e, portanto, com poucas personagens e a menor quantidade de descrições possível. Enfim, no conto, não existe “enrolação”.

*Léo Ottesen é escritor, poeta e professor de escrita criativa.

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