Em 2008, quando era bolsista de Iniciação Científica, entrevistei algumas pessoas mostrando anúncios publicitários selecionados por conterem texto em inglês e fazendo perguntas como “O que está sendo anunciado aqui?”, “Você se interessaria por esse produto?” etc. Um desses anúncios trazia uma paisagem campestre, com uma árvore ao fundo, bolas azuis na grama, um cavalo branco e um casal que se abraçava de forma sensual. O único texto era “Powered by Pfizer”, mais ou menos o que você pode ver aqui (falta o cavalo nesta versão). Depois de 30 entrevistas, duas me chamaram muita atenção: a primeira com uma pessoa que, convicta, afirmou: “Mais uma vez é o governo mostrando a necessidade de cuidar do meio ambiente, preservar a natureza, cuidar das árvores…”. O outro entrevistado respondeu, quando perguntei o que estava sendo anunciado, que certamente se tratava de uma propaganda dirigida a fazendeiros que quisessem adquirir animais. Não os informei à época, mas o anúncio era do medicamento Viagra.
Em 2009, ouvi sem querer uma conversa de duas mulheres que falavam sobre um programa de televisão que oferecia cirurgias bariátricas a moças obesas e as acompanhava posteriormente para observar suas mudanças. O comentário que ouvi dizia respeito ao fato de as moças operadas terem ficado loiras um tempo depois da cirurgia. “É impressionante mexer no estômago e afetar a cor do cabelo, não é?”, disse uma, ao que a outra respondeu “pois é”.
Em 2010, uma amiga editora estava indignada com um profissional que havia cometido alguns equívocos em sua tradução, como o de escrever que uma loja vendia “40 LPs” quando, na verdade, o texto original dizia “LPs da década de 40” (40’s LPs, em inglês).
Em 2011, grande parte da mídia brasileira se manifestou contrariamente a uma coleção de livros didáticos chamada “Viver, aprender” alegando que o MEC havia aprovado um material que “ensina o aluno a falar errado”. Não pretendo chutar porta aberta com polêmica que já caducou, mas suponho que alguns tenham saído com uma conclusão equivocada depois da querela midiática.
Em todos esses casos, um pouco de pulga atrás da orelha teria evitado problemas de interpretação e convicções equivocadas. Faltou acender aquela luz vermelha que faz a gente se perguntar: SERÁ? Por que enfeitar com bolas azuis um anúncio de conscientização sobre a natureza? Será mesmo que uma cirurgia seria capaz de alterar a cor do cabelo de alguém? Por que alguém abriria uma loja para vender apenas 40 LPs? E os especialistas do MEC, por que defenderiam que os alunos aprendessem algo errado?
O que isso tudo tem a ver com português eu explico agora. Muitos equívocos de interpretação de texto e de tradução, por exemplo, parecem ser consequência de um momento em que faltou a pessoa parar e se dizer “mas espera, isso não faz sentido”. Pulga atrás da orelha também vale para dúvidas de ortografia: quem desconfia vai atrás, checa e aprende. Embora todos estejamos sujeitos a cometer equívocos, cabe pensar bem sobre esses exemplos e perceber que não se trata de acertar questões da prova de português, mas de evitar que algo evitável acabe afetando outras esferas de nossas vidas.
![]() | Carol tem graduação em Letras, mestrado em Educação, e é editora de livros didáticos de português e inglês. carolinajesper@gmail.com |